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Extremistas invadem página de ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro

20 março 2016

Passei mais de 24 horas sem acesso a minha página no FB, que além disso foi bloqueada ou suspensa, aparentemente porque houve uma massa de pessoas dizendo que eu nao era eu.
Tenho razoável convicção de que porto a mesma identidade desde que nasci, isto é, sem dúvida mudei muito, mas pelo menos a certidão de nascimento, o RG, a CNH e o passaporte sempre tiveram o mesmo nome…
Não tenho dúvida alguma de que o ataque foi político. Teria sido efetuado por muita gente ao mesmo tempo.
O que pensar disso? Que, possivelmente, num momento de conturbação como o que vivemos, há extremistas interessados em calar vozes que tomam posição política, sim (sou a favor da esquerda), mas de maneira moderada e mantendo o diálogo.
Minha crença, e receio, é que seja mais um sinal de que há gente querendo impedir qualquer diálogo.
Ontem, falei no Grêmio do Colégio Porto Seguro. O assunto era a escolha do curso superior. Fui a convite dos alunos. Um deles, no final, me perguntou sobre a situação política. Muito gentil, ele, muito oportuna a pergunta, só que demoraria mais duas horas para responder, discutir, dar a palavra às vozes discordantes (isso seria essencial, eu jamais faria uma prédica a alunos). Pois eu disse a ele: crises econômicas passam, a queda do PIB é ruim, gente perde emprego e tudo o mais. É ruim. Mas o pior nao é isso, é quando um país perde sua alma.
Se prosseguirmos a guerra civil verbal que ora vivemos, pode ser que ela não chegue a uma guerra civil armada. Mas conto uma história. Um amigo chileno saiu de seu país após o golpe de Pinochet. Sua família, como muitas, estava rachada. Tipo um irmão pró Allende, outro pró Pinochet. Romperam. Na geração seguinte, nasceram primos irmãos que nunca se conheceram. Sabiam que o outro existia, mas nem o conheciam. Mais uma geração, e nasceram primos em 3.o grau que nem sabem da existência um do outro.
É isso o que queremos?
Amigos rompem pelo Facebook, por causa de política. Isso vale a pena?
É esse tipo de ódio, de que fui alvo anteontem e ontem, que faz um país perder sua alma. Para isso, é difícil haver cura. Um ou dois anos de medidas econômicas duras fazem superar uma crise (tomara). Assassinar o tecido social é muito mais grave, dura muito tempo, e às vezes nem tem remédio.
Renato Janine Ribeiro (Araçatuba, 9 de dezembro de 1949) é um professor de filosofia brasileiro. Foi ministro da Educação do Brasil, entre abril e setembro de 2015.
Professor-titular da cadeira de Ética e Filosofia política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Recebeu o Prêmio Jabuti de Literatura em 2001, graças à obra “A Sociedade Contra o Social” (Editora Companhia das Letras), bem como foi condecorado com a Ordem Nacional do Mérito Científico, em 1998, e com a Ordem de Rio Branco, em 2009.

Por Juliana Fratini (relato via Facebook):
Meu marido, Renato Janine Ribeiro, que é um grande defensor das liberdades individuais e da legalidade, teve hoje pela manhã (ou durante a madrugada) a sua página pessoal de Facebook invadida e/ou tirada do ar.
O que Renato faz em sua página são leituras políticas conjunturais ponderadas, sempre considerando posturas éticas (que é um tema que ele trabalha há mais de 30 anos, acredito), fazendo um exercício diário pela tolerância, sem nunca incitar o ódio. Renato jamais fez ou faz acusações ou atua no sentido de agredir a reputação de qualquer um que seja, ainda que aquele que se sinta seu contraditório o assedie na rede de maneira violenta.
E não apenas Renato passa hoje por esta situação. São contínuos os depoimentos de pessoas sobre este mesmo tipo de assédio violento. Nas redes e fora delas. São pessoas que estão perdendo o direito de se manifestar. E são pessoas que, em geral, simplesmente levantam bandeiras pelas liberdades individuais e uma sociedade com mais oportunidades para desiguais de berço.
Se as pessoas que clamam por liberdades e oportunidades não podem se quer se manifestar, o que esperar daqueles que consideram que podem, a qualquer tempo, cala-las? Serão sujeitos justos ou preparados para falar ou fazer algo por um Brasil tão complexo em demandas? Qual será o limite desta intolerância? Prisão, inquisição?
Enquanto sociedade, se não podemos aceitar banditismo, corrupção ou mentiras, tampouco podemos aceitar ter a dignidade de qualquer um que seja ameaçada por autoritarismos.
A maior parte das pessoas banidas hoje no ambiente virtual ou hostilizadas na rua passam por isso por que são influentes – e as vezes nem precisam ser. Não será este tipo de punição que fará com que elas sejam caladas, uma vez que seus valores persistem enquanto sinais de esperança para um Brasil melhor – ainda que este melhor não dê conta da totalidade. Elas podem não se defender diretamente, mas serão defendidas de maneira espontânea todas as vezes que suas liberdades forem violadas.
Não encontramos ainda na política, ou enquanto sociedade, um equilíbrio, com propostas que dêem conta da complexidade das demandas, mas não é eliminando o outro que conseguiremos.
Fonte: http://tvclassecontabil.com.br/